quinta-feira, 22 de março de 2012

A aparência do sol - A maior realidade


Foto de Paulo Cardozo Vieira
A hora do ocaso na Mirim,
A mesma luz que da água irradia,
Ela reveste de ouro e prata
O adeus incandescente do dia.
Aqueles raios que se escondem
No abismo escuro e profundo
Eles irão fazer o sol nascer
Em qualquer outra parte do mundo.
E por uma força invisível
Vejo-me no infinito imerso.
Continuo a ver a vida passar
Sentindo na alma o Universo.
(A.F.A.)






Cada coluna representa uma localidade e Sta. Vitória do Palmar é a 33ª.


Matéria da página Cultura-edição março 2012, de Anselmo Francisco Amaral



Por meses mergulho na minha idade (97 anos) e acabo encontrando algumas preciosidades nos lugares mais profundos do passado. Com a mudança de horário há pouco levada a efeito, ocasião em que os relógios deram marcha ré aos seus ponteiros, recuando-os 60 minutos, para retornar à hora oficial, ocasião em que me vejo tomado por um anseio, seja o de voltar ao claro escuro do mundo que para atrás continua a permanecer, tal qual uma lembran- ça saudosa, nessa circunstância eu ouço o grito da minha mãe:

- Mulato, o sol já entrou? Ao que o mulato responde:

- Ainda não, patrona, farta argumas braças!

Nessa hora, a minha mãe tinha em uma das mãos, um relógio que fora de meu pai e na outra, o almanaque de Alfredo Ferreira Rodrigues, onde se continha, inclusive, o roteiro do nascimento e o ocaso do sol, para todo o Rio Grande do Sul (1917).

O mulato se chamava Almerindo, por seu pai, ainda pequeno, foi dado para os meus genitores a fim de me acompanhar, sendo eu, filho único. Era também uma criança como eu. Ficamos irmãos. Cres- cemos juntos. Só nos separamos quando, com minha mãe, fui inicial- mente para Pelotas começar os estudos. Mesmo assim, o Almerindo, no mesmo lugar, no Arroio Del Rei, ali ficou. Convolou núpcias com a filha de uma empregada.

O Almerindo trabalhou muitos anos, na Cooperativa de Lãs de Santa Vitória do Palmar. Creio tenha falecido após sua aposentadoria no mesmo local de trabalho. Aquele grito que me tocava na alma, sim! Era de minha mãe, santificado por seus lábios. Estava a usar também, a citada apa- rência, surpreendendo o universo e iluminando o mundo. Compreendi que aquela aparência de- monstrada pelo sol (é a terra que roda em translação/rotação) ela se tornaria fato concreto, ao provocar o movimento dos ponteiros no mostrador dos relógios. Cessariam as aparências ganhando lugar a rea- lidade.

Foto de Paulo Cardozo Vieira